Ketllyn Fernandes, do Jornal Opção
Esposas e irmãs de rivais estupradas na dependência do presídio durante visitas –– e fora deles –– e uma menina de 6 anos morta após ter quase 100% do corpo queimado ao ter o azar de estar em um dos ônibus incendiados a mando de presidiários no último final de semana. Os relatos referem-se à atual situação vivida no Maranhão, principalmente na capital, São Luiz. Até aqui o cenário já é assustador, mas não é só. A selvageria ganhou novo capítulo nesta terça-feira (7/1). Conforme publicado pelo jornal “Folha de São Paulo”, que obteve inclusive imagens chocantes, reina nos presídios maranhenses a arcaica prática da decapitação.
Os autores dessa atrocidade, ocorrida no complexo de Pedrinhas, em São Luiz, filmaram os atos brutais e chegam a exibir os corpos sem a menor cerimônia, como se fossem animais abatidos. As imagens foram repassadas pelo Sindicato dos Servidores do Sistema Penitenciário do Estado do Maranhão e estavam em um celular apreendido. O jornal enviou o vídeo ao governo Roseana Sarney (PMDB), que não quis comentar o assunto. Em nota a gestão peemedebista afirmou apenas que as “supostas” imagens “poderão” ser alvo de inquérito para averiguar a veracidade dos fatos filmados.
E depois, o que será feito pelas autoridades? Somente nestas imagens três homens foram decapitados. São eles: Diego Michael Mendes Coelho, de 21 anos, Manoel Laércio Santos Ribeiro, 46 anos, e Irismar Pereira, 34 anos. Quantos outros devem ter morrido da mesma forma? Corpos não evaporam e de dentro da prisão é impossível que fossem “desovados”, logo, os responsáveis pela administração de Pedrinhas tinham conhecimento das decapitações. Ao menos é o que se espera.
Até em situações extremas como esta reina no Brasil do “jeitinho” a burocracia sem limites. Diante do alto índice de mortes dentro das cadeias daquele Estado, não é de se estranhar que a decapitação seja real. Somente no complexo de Pedrinhas, 62 presos foram assassinados por outros detentos no ano passado. Como estão dentro do presídio, esses mortos estavam sob a tutela do Estado, representado na figura da governadora Roseana Sarney, que preferiu se afastar da situação de calamidade ocasionada pela presença da Polícia Militar no presídio e somente na última segunda-feira (6), depois que a criança queimada morreu, é que se pronunciou a respeito e disse repudiar os atos criminosos que assolam o Estado. Repudiar todos repudiamos, principalmente os pais da menina que teve praticamente todo o corpo consumido por chamas.
Não é segredo que o sistema de Execução Penal brasileiro é uma farsa. Como me disse em agosto de 2013 Pedro Paulo de Medeiros, advogado que integrou a comissão de juristas responsáveis pelo anteprojeto que originou projeto de lei que atualiza o Código Penal (CP) Brasileiro (nº 236/2012): “Temos que evitar o máximo levar criminosos para a cadeia, no Brasil eles se formam Ph.Ds em criminalidade.” O maior exemplo dessa especialização em crime talvez seja Pedrinhas. (Entrevista completa aqui).
Medidas paliativas seguem sendo adotadas, como mais uma delegacia dentro do complexo prisional e a transferências dos chefes do crime em Pedrinhas para presídios federais. Enquanto isso motoristas de ônibus do transporte público se recusam a trafegar à noite, devido ao trauma da última sexta-feira, quando viram criminosos atearem fogo com pessoas dentro dos veículos. Moradores da bela São Luiz vivem trancafiados sem o direito de ir e vir que deveria ter sido restringido somente aos bandidos. E a violência vai ganhando novas formas de surpreender o cidadão de bem que não sabe para onde vão os tributos que paga. É preciso algo mais amplo. Tapar o sol com a peneira não é mais suficiente.
Naturalidade diante da maldade
No vídeo, o responsável pela imagem chega a reclamar da qualidade do foco da imagem antes de autorizar a decapitação. “Tem que ajeitar o foco”, diz como se especialista fosse. O vídeo é recente, data de 17 de dezembro de 2013. Os “técnicos de imagem” tomam o cuidado de filmar somente os pés dos assassinos e suas plateias.
Um dos presos pede aos gritos que um corpo seja endireitado para ser mais bem filmado. “Bota [o corpo] de frente pra filmar direito". "Não, puxa a cabeça dele", orienta outro detento. É mostrado então os pés de um terceiro preso que pisa na poça de sangue como se fosse água ou lama. É mostrada a ponta de seus dedos, usadas para puxar o cabelo da cabeça separada do corpo para ser filmada. O membro escorrega e cai, e então erguido e colocado ao lado das outras duas cabeças, que são focadas bem de perto. Há sinais de tortura nas faces das vítimas.
"Filma aí esse maldito, desgraçado", diz um preso sobre um dos assassinados, que tem aparelhos nos dentes e o rosto todo riscado das torturas sofridas antes da morte.
Embora tenham tido o cuidado de não filmar seus rostos, imagens de alguns dos participantes do ato de decapitação aparecem no reflexo de água e sangue da poça no chão. É este o reflexo do submundo brasileiro ao qual nenhuma autoridade busca solução de fato e que começa a ser trazido à tona em manchetes de jornais.
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