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Pensamentos aleatórios

3 de julho de 2015

Meia-noite na história: votação escancara voracidade de projeto de poder

Do Blog do Mário Magalhães:


Já passava da meia-noite quando a proposta de redução da maioridade penal de 18 para 16 anos recebeu na Câmara o apoio de que necessitava para avançar.

A meia-noite é também metáfora do país deprimido.

Assim como parece pegadinha do destino a votação ocorrer em um 2 de julho, data gloriosa que celebra a valentia baiana que arrancou a Independência de armas na mão, e não nos tantos acordos acochambrados da nossa história.

Sob o comando de Eduardo Cunha, ganharam Jair Bolsonaro, Marcos Feliciano, Paulo Maluf, Paulinho da Força, Luiz Carlos Heinze.

Se esses deputados ganharam, sabemos quem perdeu: os mesmos que há cinco séculos levam de 7 a 1.

Caso o obscurantismo prospere, uma primeira consequência provável será o recrutamento mais intenso de adolescentes de 14 e 15 anos para atividades criminosas.

De novo, todo mundo sabe, até quem finge não saber, quem serão os mais vulneráveis à bandidagem em busca de mão-de-obra: negros e pobres.

Em vez de oferecer formação, oportunidades e talvez redenção para jovens no desvio ou tentados por ele, o Estado lhes imporia a especialização no crime.

Punição tem de haver _ignoro quem se oponha.

Mas uma coisa é punir estipulando o castigo como fim.

Outra é punir e ensinar.

Numa hipótese, novos e mais graves crimes viriam.

Noutra, a chance de recomeço menos violento e desgraçado seria maior.

A certa altura da sessão da Câmara, um partidário do rebaixamento da maioridade mencionou “os a favores'' de certas teses.

Sem querer, reforçou a convicção de que o país precisa de mais e melhores escolas, e não de mais presídios.

Um correligionário dos “a favores'' vociferou, sobre a juventude infratora, a velha tirada fascista “então leva pra casa''.

Se alguém sugerisse o restabelecimento da escravidão, sei não, tal o furor.

O primeiro passo para mudar a maioridade penal foi imposto no tapetão, depois da derrota de projeto quase igual 24 horas antes.

O presidente exibiu controle sobre a Casa pouco compatível com democracias.

Sua ambição ficou clara outro dia, quando incensou o parlamentarismo, sistema que permitiria a um político como ele ocupar o Planalto sem o voto direto dos cidadãos.

Contudo, o que mais marcou a madrugada não foi autoritarismo de Eduardo Cunha, manobra regimental ou eventual desrespeito à Constituição.

E sim a voracidade de um projeto de poder.

Derrotados na véspera, os interesses políticos e sociais galvanizados em torno de Cunha não sossegaram.

Não pretendem se restringir ao parlamento. Querem mais do que legislar e influenciar. Almejam governar, sem intermediários.

Sua pauta conservadora impõe a regressão nos direitos humanos, ataca a tolerância, eterniza desigualdades, ofende valores humanistas, abole conquistas sociais.

Já são o tronco da Câmara, mas não maioria.

Vencem porque atraem outros segmentos.

Para rebaixar a maioridade, os aliados são uns.

Para violentar direitos trabalhistas, outros.

Querem mais e mais e mais.

É meia-noite na história do Brasil.

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