Por Leonardo Sakamoto
Em entrevista à Folha de S.Paulo, o ministro da Fazenda Henrique Meirelles afirma que uma "mensagem reformista" deve ganhar as eleições de 2018. Se ele estiver falando de reformas, como a da Previdência, está tentando vender fantasia. Quem defender algo assim vai levar ovada na rua durante a campanha e só ganha para síndico de prédio de condomínio rico. Pois propostas que tiram direitos como essa já se provaram tão impopulares quanto seu chefe, Michel Temer. Não é à toa que o governo luta tanto para aprova-la antes de iniciada a campanha do ano que vem. Depois disso, torna-se radioativa.
Não acredito que o discurso de mudança seja o carro chefe das eleições de 2018. O que está se desenhando é uma eleição em que os candidatos venderão que estão em uma santa missão contra alguma coisa. Não promoverão o debate público, mas conflagrarão uma multidão de seguidores. Vamos pegar os quatro competidores que, independentemente dos índices, estão nos holofotes.
Luís Inácio Lula da Silva sabe como ninguém encaixar a própria história de vida no arco narrativo da trajetória do herói - saiu do nada, viveu o mundo, desceu ao inferno e renasceu como líder com a missão de "salvar" o Brasil. Mas como muitos heróis míticos, um de seus maiores erros foi não ter deixado surgir uma liderança natural dentro do Partido dos Trabalhadores que pudesse substitui-lo, tendo sempre apontado sucessores que nem sempre deram certo. Mal que é da própria esquerda latino-americana, diga-se de passagem. Dessa forma, reescreve a bíblia, fazendo com que Moisés, apesar dos seus erros, tenha que conduzir ele próprio o povo à Terra Prometida enquanto Josué serve apenas de figuração para segurar o cajado quando o chefe não pode o não quer carregá-lo.
Geraldo Alckmin considera-se como uma espécie de escolhido. Acredita que estava nos lugares certos e nas horas certas por intervenção divina. Foi assim que ele, um quadro quase inexpressivo do PSDB, tornou-se vice e, então, governador com a morte de Mário Covas. Uma liderança tucana afirmou ao blog que o "lado ruim" das chuvas que vieram acabar com a última grande crise de falta de água em São Paulo foi de que elas trouxeram não apenas alívio para a iminente hecatombe (causada pela incompetência do governo estadual), mas a certeza a Alckmin de que ele era mesmo ungido pelo divino. Como ele seria o homem que Deus (Jeová, consultado, nega) decidiu para a tarefa de levar o Brasil adiante, seria apenas questão de tempo chegar lá.
João Doria não é religioso como Lula ou Alckmin. Senta-se ao lado de pastores televisivos por pragmatismo - que interessa aos dois lados, claro. Mas como bem comentou uma pessoa do alto escalão de sua administração, ele é melhor em fazer campanha do que em governar. E como seu provável programa à Presidência - entregar o público ao privado - não agrada parte do povo, ele ergueu a bandeira do antipetismo como sua missão de vida, vestindo-se de gari, de pintor, de candidato à Presidência e até nas poucas vezes que tem se vestido de prefeito. Ou seja, sua missão é se construir como a nêmesis de Lula, por isso que ele ama odiar o petista. E será em nome dessa missão que irá declarar o adeus ao seu partido para concorrer com o apoio de Temer, caso lhe neguem legenda.
Jair Bolsonaro promete devolver o país ao passado, quando os militares estavam no poder, em nome da "ordem" e "honestidade". Ele, que foi considerado um insubordinado pelo Exército, só não diz que rios de dinheiro fluíram via corrupção naquela época e que a ordem era garantida através da tortura e morte de dissidentes e pelo assassinato de trabalhadores descontentes. Ele, que ironicamente tem Messias como primeiro sobrenome, se vende como tal, vendendo-se como a pessoa com a missão de "salvar o Brasil" do desvirtuamento e da insegurança. Promove, para isso, um casamento do atraso, entre o militarismo e o fundamentalismo religioso. E com um discurso carismático e raso, tem afirmado as minorias não mais vão ameaçar, com suas reivindicações de igualdade, os "homens e mulheres de bem". Deixando claro que o Brasil precisa, na verdade, ser salvo dele.
Diante disso só consigo transcrever um trecho de "Os Sertões", de Euclides da Cunha, que narra a guerra de Canudos, arraial criado pelo principal líder messiânico tupiniquim, Antônio Conselheiro:
"Ademais, não havia temer-se o juízo tremendo do futuro. A História não iria até ali. Afeiçoara-se a ver a fisionomia temerosa dos povos na ruinaria majestosa das cidades vastas, na imponência soberana dos coliseus ciclópicos, nas gloriosas chacinas das batalhas clássicas e na selvatiqueza épica das grandes invasões. Nada tinha que ver naquele matadouro. O sertão é o homízio. Quem lhe rompe as trilhas, ao divisar à beira da estrada a cruz sobre a cova do assassinado, não indaga do crime. Tira o chapéu, e passa. E lá não chegaria, certo, a correção dos poderes constituídos. O atentado era público".
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