Texto originalmente publicado no Jornal Opção, de 19 de maio de 2013.
Transporte, energia elétrica e água são três fatores básicos para o desenvolvimento de qualquer lugar. E não estamos fazendo a lição de casa nesses aspectos
Olhando tudo com base nos números
do Produto Interno Bruto (PIB), Goiás parece ter sido uma máquina
de crescimento e desenvolvimento no ano passado: o total de riquezas
do Estado subiu 3,8%, mais de quatro vezes além do índice nacional,
de míseros 0,9% em 2012. O patrimônio estatístico (e publicitário)
assim adquirido repassa orgulho aos goianos, mas deve ser analisado
com muito cuidado: afinal, números não passam de números. Entre o
trabalho com eles e a realidade dos fatos há uma distância que não
deve ser desconsiderada.
E os fatos apontam para uma
inconsistência: se o PIB mostra crescimento, o que está impedindo
então o Estado de se desenvolver? Onde estão os gargalos? A nova
edição da revista “Goiás Industrial” (número 252),
editada pelo Sistema Federação das Indústrias do Estado de Goiás
(Fieg) e que deve circular nos próximos dias, trata exatamente desse
assunto: o que emperra o Estado de crescer. Na matéria esclarecedora
de Lauro Veiga Filho, à qual o Jornal Opção teve acesso, há uma
expressão sintomática de Célio Oliveira, presidente do Conselho
Temático de Infraestrutura (Coinfra) da Fieg: “Não é
exatamente por falta de diagnóstico que os grandes gargalos na área
de infraestrutura em Goiás não têm sido corretamente enfrentados.”
É verdade: os problemas que
atravancam o progresso de Goiás são por demais já conhecidos, mas
vale relatá-los mais uma vez: deficiência no fornecimento de
energia elétrica, falta de qualidade nas vias de escoamento
(rodovias precárias e ausência de ferrovias) e falta de saneamento
básico e água tratada. E o que é o mínimo que uma empresa de
qualquer porte espera ao se instalar em um local? Uma rede energética
confiável, um sistema de água e esgoto acessível e vias decentes
para transportar seu produto.
A carência desse “pacotão”
básico não combina com o índice chinês de crescimento. Pelo
contrário, causam um “efeito vergonha” se apresentados na mesma
sessão de prestação de contas. Ora, se a economia cresce 3,8% em
um ano, fica evidente que não é pela qualidade de infraestrutura
oferecida. O produtor rural, o empresário, enfim qualquer
empreendedor se torna um pequeno herói por enfrentar as agruras e
ainda trazer tal resultado para a economia. Um discurso honesto
diria, de forma sintética: “Apesar de todas as deficiências —
energéticas, hídricas e logísticas — chegamos a quase 4% de
crescimento em 2012, graças à tenacidade dos que produzem em
Goiás.”
Não se pode, obviamente, jogar a
culpa exclusiva ou principalmente na atual gestão estadual pelo
quadro crítico. A título de exemplo, a questão da gerência
ineficaz e perdulária da Celg atravessa décadas: o ato de a empresa
já ter patrocinado até lutador de boxe ou piloto de corrida de
categorias inferiores no automobilismo nos Estados Unidos não é nem
de longe o fato mais grave, em meio a tantas suspeitas de
irregularidades na gestão financeira que a levou ao caos. Mas não
deixa de ser simbólico para mostrar como se atalha até o fundo do
poço.
O governo diz querer levar esses
megaempreendedores para as regiões mais remediadas do Estado. Mas
como fazer isso, se não há o básico ainda para servir a quem se
dispor à empreitada? Acesso à água e a um sistema de esgoto são
essenciais para a instalação de grandes empreendimentos. Nesse
sentido, assim como o País tem sua “Europa” no Sul-Sudeste e sua
“África” no Norte-Nordeste — como, aliás bem relata a
senadora Lúcia Vânia (PSDB) na entrevista desta edição —, Goiás
acaba retratando os dois Brasis: se o Centro-Sul do Estado tem
estrutura similar a de unidades federativas como Paraná e Santa
Catarina, no Norte e no Nordeste do Estado, suas regiões mais
carentes, o perfil é semelhante ao do interior do Maranhão e de
Alagoas, localidades arrasadas pelos desmandos de governantes que, em
pleno século 21, tratam-nas como capitanias hereditárias.
Norte-Sul, a
vergonha
No que diz respeito aos gargalos do
desenvolvimento goiano, a Ferrovia Norte-Sul merece um capítulo à
parte: certamente o desenvolvimento do Estado — e do próprio País
— seria outro se houvesse vontade política de concluí-la no menor
prazo. Enquanto a China construiu em pouco mais de três anos uma
superferrovia para trem-bala entre suas duas maiores metrópoles,
Pequim e Xangai, a obra que seria o eixo de sustentação do sistema
ferroviário brasileiro se arrasta há mais de 25 anos.
A reportagem da “Goiás
Industrial” revela um quadro ainda mais grave: em um pequeno texto
intitulado “A ferrovia da vergonha”, o repórter Lauro Veiga
Filho mostra que, mesmo se a Norte-Sul fosse inaugurada hoje até
Anápolis, a partir de Palmas, dificilmente serviria para transportar
“sequer uma tonelada”. O problema é que a lentidão da obra fez
com que ela fosse invadida pelo mato em vários pontos. Bem mais
sérios do que isso são os problemas estruturais do empreendimento:
há comprometimento da resistência de trilhos, com durabilidade
inferior à ideal, soldas de baixa qualidade e erros de emendas entre
os trilhos. Mesmo solucionados esses “abacaxis”, faltaria algo
básico: não há terminais de transbordo para a movimentação das
cargas. A matéria resume a situação: “A Norte-Sul se parece
muito mais com ferrovias fantasmas do Velho Oeste norte-americano.”
Um quadro desalentador.
Como as obras já foram entregues
pelas empreiteiras à Valec, estatal responsável pela ferrovia, a
União terá de desembolsar mais algumas centenas de milhões de
reais para adaptar o que foi feito às necessidades atuais. Na
relação custo-benefício, especialmente para o Estado de Goiás, a
Norte-Sul talvez seja, até agora, a obra mais cara da história do
Brasil: muito já se despejou de dinheiro e mais ainda precisará ser
derramado para sua conclusão, em meio a uma sucessão de escândalos
que ajuntam superfaturamentos e altas suspeitas de enriquecimento
ilícito por parte de gestores como Juquinha das Neves, ex-presidente
da Valec.
Da mesma forma, a qualidade das
estradas goianas nunca foi exatamente uma preocupação dos
governantes. Fazer asfalto é diferente de providenciar vias ideais
ao escoamento da safra. Não fosse assim, as rodovias goianas
propaladas em quantidade durariam décadas e não anos — semestres,
em alguns casos — e viriam todas com acostamento. É absurdo dizer
isso, mas é verdade: vários projetos de GOs foram executados sem a
preocupação básica de incluir... um acostamento. Será que alguém
já pensou em calcular quantos acidentes foram causados pela falta de
um item essencial como esse nessas rodovias?
ANÁLISE
Estado precisa
ofertar ao menos o mínimo
A questão é simples e difícil: ou
Goiás investe pesadamente em infraestrutura ou vai continuar
dependendo de acasos para alcançar números bons no PIB. Por
outro lado, um porcentual maior desse mesmo PIB precisa ser
reinvestido na própria infraestrutura. Ou seja, é preciso aumentar
a margem do orçamento destinada a investimentos dessa
ordem, o que significa reduzir gastos menos necessários — o que
não é tarefa fácil quando se está em um governo de coalizão.
Vendo sob esse aspecto, talvez não
seja apenas coincidência o fato de que os maiores investimentos em
infraestrutura no Estado e no País — rodovias extensas, praças
esportivas, pontes de grande porte etc. — tenham se dado durante os
anos da ditadura militar: afinal, em regimes de exceção não há
dezenas de partidos pressionando por cargos nem Ministério Público
e tribunais fiscalizando contas. Um preço muito caro, porém, por
mais agilidade.
Um Estado com agronegócio tão
forte e que pretende se tornar industrializado a ponto de concorrer
se tornar um novo “Paraná” precisaria investir de forma maciça
em tudo aquilo que favorecesse quem quer produzir. Mas não é o que
ocorre. Um exemplo entre vários: por falta de uma rede de
transmissão de maior qualidade, é perdida grande quantidade de
energia produzida pela biomassa de boa parte das usinas
sucroalcooleiras do Estado. Um desperdício imperdoável em termos de
estrutura e também de sustentabilidade econômica e ambiental.
A respeito de infraestrutura, as
obras do programa Rodovida são uma espécie de pontapé inicial. A
Agência Goiana de Transportes e Obras (Agetop) garante que o
material usado na reconstrução — um termo diferente de
“recapeamento” ou “reforma” e que é por si muito
significativo — das estradas sob a tutela do Estado é de primeira
linha. Seria, portanto, obra para durar décadas, ao contrário de
muito asfalto que já foi feito em épocas e gestões anteriores. Se
for mesmo assim, uma malha viária eficiente, que dê suporte à
carga das safras goianas, vai, entre outras coisas, diminuir o
desperdício de grãos e o tempo das viagens. É um bom começo.
O próximo passo é fazer cumprir a
promessa de levar água tratada e saneamento básico a todo o Estado.
Não dá para pensar em desenvolvimento sem o mais básico dos
elementos de sobrevida. A Saneago precisa ser reestruturada e
priorizada para dar suporte a essa demanda. Tendo acesso fácil à
água em qualquer município, o Estado ganha um ponto na atração de
indústrias.
Junte-se a recuperação de fato
daquela que já foi a maior empresa do Centro-Oeste e teremos um
pacote bem recheado para puxar o desenvolvimento do Estado: a Celg
precisa ser “ressuscitada”. O aprimoramento do programa de
eletrificação rural deve ser acompanhado de soluções para os
gargalos na rede de transmissão. Se o empreendedor quer vir para o
Estado, que se sinta confortável para, seja o que for que precisar
em termos de potencial elétrico, que esteja bem servido. Em um país
sério, é o mínimo que se espera.
Há um outro lado na questão da
estruturação de um Estado sólido: a educação e a qualificação,
sem as quais de nada adianta uma infraestrutura de ponta. Mas isso já
é conversa para outra matéria.