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Pensamentos aleatórios

19 de abril de 2016

Bolsonaro é violento por ter audiência ou tem audiência por ser violento?


Por Leonardo Sakamoto
 

Bolsonaro é violento? Sim, ele é. Mas não é burro. E nem está sozinho.

Representa uma camada da população que divide com ele a visão de mundo e tem orgasmos múltiplos ao ouvir as estripulias de seu deputado. Estripulias que não vêm de rompantes do fígado, mas são milimetricamente calculadas para ganhar espaço na mídia, nas redes sociais.

Todos os pontos de vista merecem ter voz em uma democracia. O problema é que a visão de mundo de Bolsonaro e representados torna o diálogo e mesmo a convivência pacífica muitas vezes impossível. Um estranho paradoxo: Bolsonaro e representados defendem a antítese da democracia, apesar de só continuarem podendo se expressar livremente por conta dela.

No capítulo mais recente, em seu voto pelo impeachment, pouco depois de parabenizar Eduardo Cunha, homenageou o açougueiro e torturador Brilhante Ustra e celebrou o golpe militar de 1964.

Bolsonaro é causa e consequência da violência de nossa sociedade. Verbaliza a visão de uma parte que reproduz processos que mantém a opressão, a dor e o preconceito. Ou seja, o que me angustia não é ele e um grupo pequeno de gente com ideias cheirando a naftalina, mas que parte do Brasil está com eles. Nas rodas de amigos em bares, mas mesas de jantar com a família, na hora do cafezinho no trabalho ou no silêncio do banheiro, lendo as notícias do dia no tablet.

Mas, principalmente, entre os mais ricos. Como destacou Fernando de Barros e Silva, na revista Piauí, entre os que têm renda familiar mensal superior a dez salários mínimos (5% da população), Bolsonaro lidera a corrida presidencial na última pesquisa Datafolha. Em um dos cenários, atinge 23% desses eleitores. Entre os mais escolarizados, atinge 15% – atrás apenas de Marina Silva. Entre os que ganham dois salários mínimos, ele tem 4% – mas com potencial de crescimento porque, creio, ele não é tão conhecido nesse estrato social.

Bolsonaro tinha 29 anos quando Figueiredo deixou o Planalto para cuidar de seus cavalos. Ficou 15 anos no Exército e mantinha-se na Câmara dos Deputados devido à sua defesa dos direitos trabalhistas dos militares (pela quantidade de rifles que desaparecem dos quartéis no Rio e reaparecem nas mão do tráfico, verifica-se como os salários seguem vergonhosamente baixos). Daí, foi se destacando na defesa de assuntos simbolicamente relevantes para os seus representados.

Bons exemplos disso não faltam. Foi ele quem colocou um cartaz na porta de seu gabinete na Câmara com os dizeres “Desaparecidos do Araguaia, quem procura osso é cachorro”, zombando das famílias de vítimas da Gloriosa para encontrar as ossadas dos guerrilheiros mortos pela ditadura e enterradas em local que o Exército nega revelar.

Ou o machismo truculento presente na entrevista dada para a revista Isto é Gente, em 2000: “Meu primeiro relacionamento despencou depois que elegi a senhora Rogéria Bolsonaro vereadora, em 1992. Ela era uma dona-de-casa. Por minha causa, teve 7 mil votos na eleição. Acertamos um compromisso. Nas questões polêmicas, ela deveria ligar para o meu celular para decidir o voto dela. Mas começou a frequentar o plenário e passou a ser influenciada pelos outros vereadores. (…) Foi um compromisso. Eu a elegi. Ela tinha que seguir minhas ideias. Acho que sempre fui muito paciente e ela não soube respeitar o poder e liberdade que lhe dei''. Note o “que lhe dei''.

Outra frase de efeito: “O grande erro foi ter torturado e não matado” – esta dita após seminário no Clube Militar, no Rio de Janeiro, em 2008, contra manifestantes do Grupo Tortura Nunca Mais e da União Nacional dos Estudantes. Segundo ele, essa teria sido a melhor solução para evitar que, hoje, pessoas perseguidas pela ditadura pedissem indenização ou reclamassem a justa e correta abertura dos arquivos que contam o que aconteceu na época.

Menos “humano'' que o então seu colega de partido Paulo Maluf, que outrora sugeriu aos criminosos “estupre, mas não mate''.

Em um quadro de perguntas e respostas do programa CQC, veiculado há dois anos, compartilhou impressões sobre o mundo. Um filho que fuma maconha merece levar “porrada”. Ser um pai presente e dar boa educação garante que a prole não seja gay. E caso seus filhos se apaixonassem por uma negra, respondeu que eles eram educados e que não viveram em ambiente de promiscuidade, como a cantora Preta Gil, autora da pergunta. No dia seguinte, sua página trouxe uma justificativa: de que a pergunta foi “percebida, equivocadamente, como questionamento a eventual namoro de meu filho com um gay''. Ah, então tá.

É claro que Bolsonaro e alguns militares da reserva (com a ajuda de alguns “estrelados'' da ativa) querem que a verdade e a Justiça permaneçam enterradas em cova desconhecida junto com assassinados pela ditadura. E, pelo que parece, que sejam enviados para as mesmas covas, os direitos conquistados a duras penas depois que a ditadura, que ele defende, caiu.

E tendo em vista os posicionamentos conservadores, machistas, homofóbicos, preconceituosos de grande parte da população brasileira e que são defendidos com unhas e dentes pelo nobre deputado e seu grupo, talvez você esteja do lado dele. E nem perceba.

Após seu voto violento, que fez apologia à tortura, um crime contra a humanidade, ele foi ovacionado nas redes sociais por aquela legião de pessoas que pouco se importa com a dignidade alheia.

Bolsonaro foi um dos principais beneficiados pelo processo que culminou na abertura de processo de impeachment de Dilma Rousseff pela Câmara dos Deputados – ao lado de Michel Temer, claro. De congressista caricatural, ele já tem 8% do eleitorado. Em 2018, não duvidaria que ele parta de índices de 15% para a campanha presidencial.

Como disse aqui, nesta segunda, Bolsonaro ocupa um espaço de porta-voz de comentaristas de redes sociais, público insatisfeito pelo fato de que seus queridos preconceitos estão sendo atacados. Segue na mesma linha de Donald Trump, mas sem o mesmo charme ou recursos financeiros.

Ambos dizem que essa parcela não precisa se sentir mal ou de adaptar à evolução do mundo, que vem incluindo pessoas antes alijadas de seus direitos. Basta lutar contra a “ditadura do politicamente correto'', uma grande besteira, pois se ela de fato existisse, não haveria sem-tetos, gente passando fome, mulheres negras ganhando menos do que homens brancos, nem pessoas mortas por amar alguém do seu jeito.

Por fim, vale lembrar que os três primeiros colocados para a eleição, em 2014, de deputado federal do Rio de Janeiro – Jair Bolsonaro (6,10%), Clarissa Garotinho (4,40%) e Eduardo Cunha (3,06%) – bem como os de São Paulo – Celso Russomanno (7,26% do total de votos), Tiririca (4,84%) e Marco Feliciano (1,90%) – têm uma característica em comum: sabem se beneficiar da exposição midiática. Parte deles fez sua carreira na mídia e a outra conseguiu entender a lógica da cobertura política e, produzindo factóides, surfou nessa lógica, mantendo-se constantemente em evidência em seus mandatos.

Discordo das avaliações de que eles foram os primeiros apenas por conta de suas pautas conservadoras, a importância da exposição é fundamental. Eles souberam criar narrativas que são um prato cheio para nós, jornalistas, ávidos por registrar e transmitir discursos que, por fugir do que acreditamos ser a forma tradicional de fazer política, chamam a atenção e produzem audiência.

Aos leitores que se enquadram como cães de guarda do pensamento mais tacanho, que não compreendem que sua liberdade não pode ferir a dignidade do seu semelhante e torcem para que possam ser preconceituosos e segregacionistas sem medo de serem incomodados, três coisas: a) esqueçam, isso não vai acontecer; b) livros de história são muito baratos; c) deve ser muito cansativo defender tanto ódio o tempo todo. Sugiro férias.

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