Por que acreditamos em Horóscopo, espíritos, ETs e religiões?
Por Diogo Sponchiato/Colaboração:
Fronteira Agência de Jornalismo/Fotos: Iara Venanzi Revista
'Galileu'.
África, 3 milhões de anos atrás. Um dos nossos ancestrais caminha por uma trilha cercada de arbustos. De repente, ouve um barulho no mato. Pode ser o vento, mas também pode ser um bicho pronto para o bote. Se o hominídeo se apega à segunda possibilidade e corre, mesmo não existindo fera por perto, comete um engano, mas continua vivo. Se, no entanto, atribui o ruído a uma brisa e segue a passos lentos, seus minutos estão contados caso exista um animal à espreita. É a esse exemplo que recorre o psicólogo americano Michael Shermer em seu novo livro, Cérebro e Crença, para sintetizar nossa necessidade biológica e evolutiva em criar e reforçar crenças.
“O cérebro conecta pontos em busca de padrões, mas nem sempre distingue o que é real. É como se estivesse programado para crer em qualquer coisa por precaução”, explica. Essa mesma lógica abre as portas para o sobrenatural. Imagine a cena: você, que já ouviu falar em assombração, está sozinho em casa à noite. Escuta, então, um ruído estranho na cozinha. O barulho pode ser um móvel rangendo ou... um espírito vagando. Na dúvida, precisamos crer em mais de uma possibilidade para agir, mesmo que seja ficar encolhido no sofá.
África, 3 milhões de anos atrás. Um dos nossos ancestrais caminha por uma trilha cercada de arbustos. De repente, ouve um barulho no mato. Pode ser o vento, mas também pode ser um bicho pronto para o bote. Se o hominídeo se apega à segunda possibilidade e corre, mesmo não existindo fera por perto, comete um engano, mas continua vivo. Se, no entanto, atribui o ruído a uma brisa e segue a passos lentos, seus minutos estão contados caso exista um animal à espreita. É a esse exemplo que recorre o psicólogo americano Michael Shermer em seu novo livro, Cérebro e Crença, para sintetizar nossa necessidade biológica e evolutiva em criar e reforçar crenças.
“O cérebro conecta pontos em busca de padrões, mas nem sempre distingue o que é real. É como se estivesse programado para crer em qualquer coisa por precaução”, explica. Essa mesma lógica abre as portas para o sobrenatural. Imagine a cena: você, que já ouviu falar em assombração, está sozinho em casa à noite. Escuta, então, um ruído estranho na cozinha. O barulho pode ser um móvel rangendo ou... um espírito vagando. Na dúvida, precisamos crer em mais de uma possibilidade para agir, mesmo que seja ficar encolhido no sofá.
Shermer, Ph.D. em história da
ciência, baseia suas conclusões em evidências que ligam a origem
das crenças a nossos instintos mais primitivos. A seleção natural
teria privilegiado os mais “crentes” porque os propensos a
acreditar, seguindo nosso exemplo inicial, no predador, mesmo sem ter
informações suficientes para deduzir isso, aumentaram suas chances
de sobrevivência. Como nosso cérebro muitas vezes não identifica
os erros, tendemos a acreditar em muitas coisas, principalmente se
não temos como negá-las — bem-vindo ao mundo dos fantasmas, ETs e
cia. A questão, como você vai ver, é que os genes, a personalidade
e o ambiente se misturam na receita que nos faz mais ou menos adeptos
a crenças.
Nascido para crer
Estudos apontam que a nossa maneira
de adquirir informações sobre o mundo é criar padrões e
generalizações em nossas mentes. “Há grupos de neurônios
responsáveis por criar espécies de protótipos internos. Logo que
vemos um objeto, não processamos todas as informações, mas
tentamos encaixá-lo nesses protótipos”, explica o filósofo João
de Fernandes Teixeira, professor da Universidade Federal de São
Carlos.Um exemplo prático de como isso funciona: alguém que
normalmente tem dificuldade para achar uma vaga para estacionar perto
do trabalho observa que, ao chegar em um horário diferente, a rua
está cheia de espaços livres.
Outro dia, nesse mesmo período,
encontra vaga de novo. Sem precisar pensar muito, ele cria um padrão
(horário diferente = rua livre) e passa a chegar sempre nesse novo
horário, embora não tenha identificado razão lógica para isso.
Esse modus operandi também pode funcionar de outro jeito. Vamos
supor que nosso amigo em busca de uma vaga toque no seu chaveiro com
um símbolo da sorte e, em poucos minutos, encontra um lugar para
deixar o carro. Ele já tinha uma ideia da função do amuleto e,
quando ele lhe traz uma vantagem, liga uma coisa à outra. Pronto:
nasceu outro padrão (tocar o chaveiro = achar vaga). As
superstições, assim, compartilham de um mesmo mecanismo de
associações rápidas que nos fazem deduzir uma porção de coisas
úteis.
Essa fome cerebral por padrões é o
que define como ele lida com um universo marcado por fenômenos
aleatórios. Para encontrar coerência nesse mundo caótico, dizem os
cientistas, ele estabelece crenças justificadas por uma série de
acontecimentos captados e editados ao longo da vida. Assim surgiria,
segundo Shermer, nossa tendência a aderir a uma religião. As ideias
de Deus e céu, por exemplo, nos ajudam a entender o mundo e o
destino, e ainda balizam nossas atitudes e preceitos morais. Pense
como isso pode facilitar a vida em sociedade e estimular um grupo a
prosperar. “Não é por menos que há quem defenda que as pessoas
geneticamente inclinadas a acreditar em religiões auxiliavam umas às
outras e geravam mais filhos, espalhando, assim, os genes da
religião”, diz o teórico evolucionista Craig James, autor do
livro O Vírus da Religião.
Tá no sangue
Será que a vocação de cada um
para a crença no sobrenatural ou em elementos religiosos estaria no
DNA? “Há evidências de que o peso genético é decisivo e o
ambiente cultural atuaria como um fornecedor de alternativas de
crença”, diz o neurocientista Ricardo de Oliveira, do Instituto
D’Or de Pesquisa e Ensino. Mas como é possível medir isso?
Estudos têm acompanhado gêmeos que vivem em ambientes diferentes
para ver o quanto compartilhar os mesmos genes interfere na crença
deles. Uma série dessas pesquisas, feitas na Universidade de
Minnesota, concluem, por exemplo, que cerca de 40% da propensão a
uma crença religiosa tem base genética. “Em tese, alguém criado
numa família religiosa, mas sem essa base favorável à capacidade
de crer, dificilmente preserva tal comportamento fora desse
contexto”, analisa Oliveira.
Apesar de terem mecanismos em comum,
religião e pensamentos mágicos não podem ser colocados no mesmo
barco. “As emoções são mais intensas nas experiências
espirituais, que transmitem uma maior sensação de realidade”,
conta o neurologista Andrew Newberg, que tem 5 livros analisando
cientificamente a crença. Já se observou, por meio de ressonância
magnética, que os cérebros de pessoas religiosas e céticas têm
diferentes padrões de ativação. “Em um trabalho que fizemos com
pessoas que rezam e meditam, visualizamos isso em estruturas
cerebrais como o tálamo, ligado à nossa competência de construir
uma visão de mundo”, relata Newberg.
A fé também está sendo
relacionada a mensageiros químicos que excitam os neurônios. Uma
quantidade maior do neurotransmissor dopamina, por exemplo,
normalmente vem acompanhada de uma predisposição aumentada a
endossar crenças no sobrenatural. Em um trabalho do Hospital
Universitário de Zurique, 40 pessoas (metade crentes e metade
céticas) foram submetidas a imagens de rostos normais e alterados.
Constatou-se que os crentes tendiam a enxergar menos as distorções,
sinal de que têm maior capacidade de estender padrões para
situações em que eles não existem. Na segunda parte da pesquisa,
todos os voluntários tomaram uma dose de dopamina sintética. E,
veja só: não é que eles passaram a considerar rostos deformados
como normais mais vezes?! Sobretudo os céticos. “A dopamina está
associada ao aprendizado e a recompensas. Se você se sente bem ao
presenciar ou ver alguma coisa, ela fará com que você repita essa
atitude”, explica Shermer, que também é professor da Universidade
Claremont Graduate.
Outra substância associada à
crença é a serotonina. Um estudo do Ph.D. em psiquiatria sueco Lars
Fade mostrou por meio de scanners cerebrais que uma quantidade baixa
de receptores de serotonina no cérebro está relacionada a pessoas
que dizem ser mais religiosas. Mesmo diante de estudos como esses,
ainda não há um consenso sobre um elo entre fé e
neurotransmissores. Aliás, a polêmica discussão em torno da
existência de um “gene de Deus” diz respeito à identificação
de trechos do DNA que regulam justamente a fabricação dessas
substâncias.
O peso do ambiente
Dá pra dizer então que as nossas
crenças são definidas só pela nossa carga genética, certo?
Errado. Tomemos como exemplo um daqueles estudos feitos pela
Universidade de Minnesota, no qual mais de 250 pares de gêmeos
responderam a perguntas sobre a frequência a cultos, orações e
discussões teológicas em suas vidas. Quando os gêmeos eram mais
novos e conviviam com outros membros da família, todos apresentavam
um nível de espiritualidade parecido, demonstrando forte influência
do ambiente; na idade adulta, somente os gêmeos univitelinos (que
têm carga genética semelhante) continuavam compartilhando os mesmos
índices. “Crenças partilhadas no meio em que nos desenvolvemos
são tomadas como naturais, enquanto as cultivadas por outros grupos
nos parecem improváveis”, analisa o cientista cognitivo da
religião Ilkka Pyysiäinen, da Universidade de Helsinque, na
Finlândia.
É por isso que alguns pesquisadores
têm certo receio dessa onda recente de determinismo em relação à
fé e ao pensamento. “Assim como a ciência já sabe que o ambiente
interfere na atividade de genes e predispõe doenças, a capacidade
de crer parece ser moldada pela combinação de fatores biológicos e
culturais”, avalia Teixeira, que também é Ph.D. em ciência
cognitiva.
Por falar em influência, já parou
para pensar no poder da mídia sobre as crenças? Glenn Sparks,
professor de comunicação da Universidade Purdue, nos Estados
Unidos, avaliou o impacto da série Arquivo X sobre uma audiência
aleatória de 200 americanos. Ele constata que os espectadores, ao
acompanharem a série, se tornaram mais dispostos a dar crédito a
fenômenos sobrenaturais e conspiratórios. “As representações
ficcionais buscam ser verossímeis, tornando-nos propensos a
acreditar que aqueles eventos são plausíveis na TV e fora dela”,
diz Sparks. É por isso que até alguém mais cético pode ficar com
a pulga atrás da orelha após ver filmes que tratem de exorcismos,
aparições do além...
Crer ou não crer?
Não são poucas as pessoas que se
consideram céticas, mas espiam o horóscopo ou evitam, de todo
jeito, passar debaixo de uma escada. Seria paradoxal? De acordo com
Shermer, nosso cérebro contaria com uma espécie de compartimento
para crenças e outro para nosso lado mais pé no chão. “A
racionalidade que usamos em alguns aspectos da vida, como no
trabalho, nem sempre é utilizada em outros, como nossa postura
diante do Universo, da política e de relacionamentos afetivos”,
diz o psiquiatra Alexander Moreira-Almeida, da Universidade Federal
de Juiz de Fora. “Se todo mundo fosse totalmente cético, ninguém
jogava na loteria”, exemplifica Teixeira. Ao levarmos isso para o
domínio religioso, encontramos inúmeros casos de cientistas que
acreditam em Deus. “Fé e razão podem ser conciliadas até porque
dividem o mesmo cérebro. São irmãs”, diz Jorge Claudio Ribeiro,
professor de ciências da religião da PUC-SP.
Há momentos, porém, que aguçam
nosso lado espiritual ou supersticioso. Logo após os atentados de 11
de setembro de 2001, o número de americanos que passaram a
frequentar igrejas aumentou, segundo o instituto de pesquisa Barna,
em 25% — o que, no entanto, durou apenas algumas semanas. O drama
nem precisa ser coletivo. Pense em alguém acamado, deprimido ou
frente a frente com um incêndio. “Quanto mais inesperada e difícil
a situação, maior a tendência a nos comportarmos de modo
supersticioso”, afirma Wellington Zangari, professor de psicologia
da Universidade de São Paulo. Se por um lado crer nos dá forças
para seguir adiante, por outro nos deixa mais vulneráveis. É por
isso que Shermer alerta para a necessidade de termos em mente nossa
queda por crendices. Afinal, ela pode, num contexto de fraqueza, nos
tornar vítimas de charlatões.
Acreditar faz bem?
Acreditar faz bem?
Chegamos a essa incontornável
pergunta. “Centenas de estudos indicam que um maior envolvimento
religioso está relacionado a menores índices de mortalidade, taxas
mais baixas de depressão e uso de drogas e maior tempo de vida em
doenças graves”, diz Moreira-Almeida. Um levantamento da
Universidade Yeshiva, nos EUA, por exemplo, analisou dados de 92.395
mulheres e concluiu que as religiosas assíduas apresentaram uma
redução de 20% no risco de mortalidade.
Há quem diga, no entanto, que o poder medicinal da fé se resume ao efeito placebo, a habilidade da mente de induzir melhoras diante de uma expectativa. Será? Neurologistas da Universidade de Oxford, na Inglaterra, perceberam, lançando mão de ressonância magnética, que a crença religiosa propicia um efeito analgésico ao regular processos cerebrais. Placebo ou não, o fato é que a dor diminui... quem não deseja isso num momento de aperto?
Há quem diga, no entanto, que o poder medicinal da fé se resume ao efeito placebo, a habilidade da mente de induzir melhoras diante de uma expectativa. Será? Neurologistas da Universidade de Oxford, na Inglaterra, perceberam, lançando mão de ressonância magnética, que a crença religiosa propicia um efeito analgésico ao regular processos cerebrais. Placebo ou não, o fato é que a dor diminui... quem não deseja isso num momento de aperto?
O perigo, contra o qual lutam
céticos como Shermer, é negar a ciência e dar margem a pensamentos
enganosos (e às vezes lucrativos para alguém). Na outra ponta, pode
ser angustiante viver sob um ceticismo dogmático, que quer demolir
tudo e se transforma, ele próprio, em uma visão extremista. Nesse
mundo onde quase todo dia deparamos com um ou outro ponto de
interrogação, resta a certeza de que trabalho não vai faltar para
a máquina de crenças herdada do nosso longínquo ancestral.
Deus, entidades e religião
Deus, entidades e religião
A crença em um ente superior que
governa o Universo representa, segundo os defensores dos princípios
biológicos, uma narrativa perfeita para resolver ou minimizar
dúvidas e angústias: atribui sentido aos perrengues e êxitos da
vida, dá uma ideia do que o futuro nos reserva... De acordo com
Michael Shermer, esse conceito, disseminado pela religião, tem um
potente efeito sobre o coletivo: o de promover altruísmo e coesão
social, algo útil para um grupo sobreviver. Apesar do aspecto tribal
e cultural, há fortes indícios de que a genética e a personalidade
contribuam para que um indivíduo tenha mais fé. Tudo isso justifica
a predominância das religiões ao redor do globo. O IBGE calcula que
mais de 90% dos brasileiros têm uma.
Horóscopo, tarô e astrologia.
Não importa se você é mais
supersticioso ou cético, não negue que aceitaria de bom grado se
lhe dessem o poder de prever o futuro. Visualizar o que o destino nos
reserva é uma antiga obsessão humana. E não é à toa que tanta
gente lê o horóscopo quase todo dia (veja o fenômeno Susan Miller,
a astróloga mais acessada do planeta) ou recorre a cartomantes,
quiromantes e afins. A despeito de esses métodos funcionarem ou não,
buscamos encaixar suas previsões em eventos posteriores da nossa
vida, especialmente se elas forem pouco claras. É uma forma de
construir padrões, já que permite conectar pontos entre a
configuração dos astros e eventos do dia a dia, ignorando as
informações que não batem. “Por trás da tentativa de conhecer o
futuro há uma angústia frente ao desconhecido, de modo que saber o
destino amortece esse sofrimento e nos dá a impressão de estarmos
mais no comando da situação”, explica o psicólogo Wellington
Zangari, da USP.
Superstições e destino
Se não é o seu caso, ao menos você
conhece um torcedor mais fanático que tem uma camisa da sorte. Um
belo dia ele a vestiu e o time ganhou de virada. Na partida seguinte
(camisa no corpo), venceu de goleada. No terceiro jogo, foi empate...
e, outro dia, o time perdeu. Mas não faz mal, vai voltar a dar show
na próxima partida porque o torcedor estará com aquela camisa. É
assim que nasce e se viabiliza um padrão supersticioso, ignorando
que os elementos que o compõem sejam verdadeiros ou não. Na dúvida,
é melhor vestir a camisa. Esse hábito dá confiança e reduz o
estresse antes e na hora do jogo. Nessa mesma linha, precisamos
descobrir ou dar significados a uma porção de eventos porque uma
mente "crente" tende a se nortear por uma noção de
destino. O fato de um padrão (camisa da sorte) não render o
resultado esperado pode ser suavizado pela interpretação de que
forças operam no mundo e nem sempre conciliam com o nosso desejo. A
questão é que muitas vezes driblamos esse conflito de padrões
(sorte X destino), elegendo um ou outro para nos confortar. Se o time
marcou um gol foi porque você colocou a camisa-amuleto. Se perdeu, é
porque já estava escrito.